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segunda-feira, 4 de junho de 2012

TEOLOGIA

 

Teologia Sistemática ou Teologia Bíblica?

 Por Rev. Paulo Cesar Lima

 O campo de estudo da teologia sistemática é vastíssimo. E não serei eu ou qualquer outro escritor que vai esgotá-lo. Desejo apenas dar a minha contribuição, mesmo que pequena, ao estudo da matéria em tela.

Nas minhas pesquisas sobre teologia sistemática percebi que, do lado das Assembleias de Deus no Brasil, temos material muito escasso e sempre produzido por escritores estrangeiros. Não que seja contra a qualquer pena estrangeira que tenha seus escritos fundamentados nas Escrituras Sagradas. Absolutamente. Não sou xenófobo. Só que entendo que teologia sistemática – como qualquer outra teologia – é quase sempre produzida no espaço existencial de um povo. Os cristãos brasileiros temos nossas experiências, dilemas, lutas, anseios de liberdade, e tantos outros aspectos que desembocam em motivos pujantes para elaborarmos a nossa teologia sistemática. Conquanto entendamos que as Escrituras não são de interpretação pessoal, nem tampouco cultural, há certas nuances presentes na história de uma nação que influenciam – e muito – a exposição da teologia.

A teologia é também um pensar com passagem pela cultura e pela experiência que se vive com e por Deus em determinado momento da história da vida. Por exemplo, os salmos contêm uma centena de passagens que evocam esta compreensão, principalmente os salmos antitéticos, que expõem o jogo de oposição entre o «justo» e o «ímpio», ressalvando sempre a idéia de que o «justo» é sempre premiado em detrimento do «ímpio», que é condenado.

Nosso entendimento sobre isso – é lógico – vai muito mais além de qualquer cultura ou experiência que um povo possa ter com Deus. Isto porque, muitas vezes, a teologia é contramão da história e das culturas reinantes, na medida em que ela não se deixa influenciar por visões engessadas, viciadas, corrompidas.

O que eu quero que o leitor entenda neste meu arrazoado é que, quando falo de «cultura» e «experiência», não me refiro às nossas idiossincrasias particulares, mas sim a «cultura» e «experiência» produzidas no âmbito da própria vivência religiosa.

Uma leitura bíblica feita a partir do sujeito histórico dominante e de sua força religiosa de dominação expropria a espiritualidade, memória e escritos inspirados de um povo.

O fundamentalismo e o historicismo não são assim inocentes, pois expropriaram a Bíblia do povo e a entregaram ao sistema dominante. Uma Bíblia assim expropriada, cativa e alienada, perde o sentido histórico e espiritual e, portanto, toda a capacidade de dar testemunho histórico da Palavra de Deus ou sua capacidade de discernir essa Palavra de Deus hoje no mundo dos pobres.

Lembro-me de um «Simpósio Teológico» em que vários pastores nacionais participaram e, ao final, o palestrante – estrangeiro – pediu perdão aos pastores do Brasil pelo mal que fizeram à nação brasileira com o seu legado teológico.

Por isso e por outras situações que aqui não convêm mencionar é que me disponho a escrever a primeira teologia sistemática das Assembléias de Deus no Brasil escrita por um escritor genuinamente brasileiro.

Esta decisão tomada por mim é em função de leituras feitas ao longo dos anos de teologias sistemáticas vulneráveis e também por não achar nada compatível com a realidade do comportamento brasileiro «pentecostal assembleiano» nos manuais sistemáticos que até aqui pude ler.

Tenho a consciência de que não conseguirei açambarcar todas as injunções da teologia sistemática, mas conto com a compreensão dos leitores, que poderão ajudar-me, bastante, enviando suas opiniões complementares, as quais serão acrescentadas em nosso manual de teologia sistemática brasileira. Espero, é lógico, incluir idéias que possam melhorar a qualidade do nosso trabalho e seremos bem rigorosos nesta seleção.

Desde já quero afirmar que a nossa teologia sistemática brasileira é obra inacabada. Por isso despojo-me da idéia de que a nossa será a mais apreciada em relação a todas as que já existem. Nosso enfoque objetiva, única e exclusivamente, contribuir para fortalecer os postulados já existentes e ampliar o campo de compreensão dos temas já sistematizados por algumas denominações.

Não criarei mais uma teologia sistemática. As teologias sistemáticas já existentes proporcionam-me material suficiente para trabalhar. Apenas analisarei as que já existem, tendo como meta a Bíblia Sagrada, o nosso fundamento de fé. Como Lutero, serei implacável em combater idéias surgidas de compreensões calcadas em experiências pessoais, subjetivas ou qualquer fenômeno que ponha em risco a veracidade da Palavra de Deus. O interesse de Lutero era basear a teologia cristã exclusivamente na Palavra de Deus. «Essa palavra é o tema da Escritura como um todo, está manifesta na encarnação de Jesus Cristo e presente hoje na viva voz do evangelho (viva vox evangelli)», dizia Lutero. Mas, também, não deixarei de mencionar a sutileza dos que dominam o conhecimento de expropriar do povo o direito de pensar e de fazer teologia, no seu espaço de luta, dor e sofrimento.

Sou comprometido com a posição da reforma protestante e absolutamente fechado com:
1. A visão conservadora da inerrância da Bíblia Sagrada.
2. A soberania de Deus e a responsabilidade do homem.
3. A insofismável doutrina da salvação. Segundo a Bíblia Sagrada e a própria visão contemporânea, sustento que o homem tem liberdade de escolha e, por escolher o caminho do mal às vezes, pode perder a salvação.
4. A ideia de que Jesus Cristo é o filho de Deus e as suas duas naturezas – a divina e a humana. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
5. A visão do batismo com o Espírito Santo como sendo «revestimento de poder» e também sustento a doutrina dos «dons espirituais» como sendo uma manifestação do Espírito Santo para os dias atuais.
6. O governo da igreja. Defendo o governo episcopal, com a presença de presbíteros e ministros – pastores e evangelistas. Com respeito ao ministério de apóstolo, sustento a idéia de que se trata de uma vocação, como as demais mencionadas em Efésios: pastor, evangelista, profeta, mestres, nada que resulte grandeza e ascensão sobre os demais ministérios.
7. A ideia de que as expressões «Reino de Deus» e «Reino dos Céus» trata-se de um sinônimo e que sua realidade já é um fato entre nós, conquanto acreditemos no «ainda não» do Reino, ou seja, na «consumação» do Reino de Deus entre os homens, fato que ocorrerá na segunda vinda de Jesus Cristo.
8. A visão pré-milenista e pré-tribulacionista, pois acredito que a segunda vinda de Jesus pode ocorrer a qualquer hora e precederá a tribulação e o milênio, dando início ao reino milenar de Cristo, de paz perfeita sobre a terra.

Com esta apresentação não estou ignorando que existam outras ideias. Mas todas elas, teorias que são diferentes daquilo que nós, pentecostais, acreditamos, fiz questão de trabalhar cada uma, em separado, mostrando sua posição teológica e dizendo sobre os seus pontos positivos e falhos, com apresentação de respectivas objeções. Fiz isto para não deixar de transmitir aos leitores a existência de outras concepções no âmbito da teologia sistemática.

TEOLOGIA SISTEMÁTICA CONTEMPORÂNEA
No III Congresso Brasileiro de Teologia Vida Nova, discutiu-se a questão da interpretação da Bíblia, nas suas várias teorias e práticas presentes no Brasil atual. Um fato chamou minha atenção por sua complexidade: a denúncia da teologia sistemática como não-bíblica e a sua conseqüente substituição pela teologia bíblica.

A pergunta que reverbera numa conclusão como esta é por que as teologias sistemáticas foram contadas como não-bíblicas?

Como resposta a esta difícil pergunta os congressistas primeiro insistem em dizer que a teologia sistemática dos últimos cinqüenta anos mudou, e mudou muito a sua relação com a Bíblia. Se é verdade que a acusação de filosofismo ou doutrinismo poderia valer para a sistemática clássica, como observaram os fundadores da teologia bíblica no século XIX, isto já não tem o mesmo peso para a sistemática contemporânea. Esta, apesar das muitas tendências, reconhece a necessidade de se basear de forma mais consistente na Escritura, evitando o velho e clássico método dos textos-prova – que não provam nada, a não ser os gostos das denominações.

Em segundo lugar, os congressistas advogam a crença de que a teologia bíblica (a disciplina acadêmica com esse nome) é mais bíblica do que a sistemática por não se deixar influenciar pelo denominacionalismo amordaçador. Segundo os participantes do referido congresso, a ciência “teologia bíblica” representaria uma leitura histórica objetiva da Escritura.

A possibilidade de um conhecimento plenamente objetivo, derivado totalmente do objeto da pesquisa, não atrapalhado por aspectos da subjetividade do pesquisador, é pura ilusão. A virada lingüística e a nova física, no século XX, revelaram o caráter ilusório dessa crença: todo conhecimento é conhecimento produzido por alguém e, no ato mesmo de sua produção, o pesquisador já interfere no objeto pesquisado.

Diante do fato apresentado, qual a importância e a necessidade de uma teologia sistemática contemporânea? E que cara teria essa sistemática?

Em primeira mão, essa teologia sistemática contemporânea não seria, certamente, um ambicioso sistema que englobasse tudo que se pode dizer sobre Deus e suas relações com o cosmos. Deveria ser um sistema aberto, flexível, que – a partir da Escritura – procurasse encontrar respostas teologicamente adequadas e significativas para os problemas atuais, os problemas religiosos e, especialmente, para os problemas ecológicos e sociais.

Em segundo lugar, deveria nos auxiliar a fugir do imitacionismo de modelos enlatados e pacotes prontos para o sucesso da vida cristã e do ministério. Positivamente, nos ajudaria a enxergar além de nossos próprios umbigos eclesiásticos e olhar para o mundo todo sob a ótica da missão de Deus para o Seu povo.

Essa – mais ou menos – deve ser a cara de uma teologia sistemática contemporânea: a preocupação constante de teologar os problemas atuais no âmbito bem mais explícito do que até então estávamos acostumados a pensar. E sermos absolutamente bíblicos em nosso ponto de vista se deixarmos de lado as “convenções” que distorcem os ensinamentos bíblicos. Quando falo de “convenções” não estou falando daquelas que são abalizadas, autênticas, fundamentadas nas Escrituras, mas sim das que originam-se de apologias comprometidas e equivocadas.

Do exposto, dou-me por satisfeito se este livro de teologia sistemática escrita por um brasileiro cair em mãos de leitores que apreciam leitura confortável, suave, mas ao mesmo tempo firme, substancial e objetiva. Ficarei regiamente recompensado se, porventura, este livro vier a parar em mãos de leitores críticos que buscam fundamentos das doutrinas bíblicas. Digo assim, porque não podemos conviver apenas com os que nos aceitam, mas também com os que nos rejeitam. Aceitando ou rejeitando fiz o que, até este momento, pude fazer. Este foi um dos meus momentos históricos vivenciados no espaço existencial que me concedeu Yahweh.

Que Deus nos ilumine na exposição deste livro a fim de não perdermos os rumos de uma interpretação eminentemente bíblica, levando sempre em conta o que a Bíblia diz e não o que eu já conheço dela.

Autor: Rev. Paulo Cesar Lima da SilvaLi no blog: http://www.reverendo-paulocesarlima.blogspot.com/

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